No elenco que fiz na semana passada sobre os partidos de inspiração marxista que, ainda durante a ditadura, se afastaram do PCP, não mencionei o MRPP–Movimento Reorganizativo do Partido do Proletariado, cuja atividade, de inspiração “maoísta”, surgiu a partir de 1970, altura em que publicou o órgão teórico de propaganda, Bandeira Vermelha, a que se seguiu, em 1971, o Luta Popular, e que acusava o PCP de ser revisionista. O seu registo oficial só viria a ocorrer, de facto, em 1975, quando evoluiu para PCTP–Partido Comunista dos Trabalhadores Portugueses. O carisma de alguns dos seus fundadores, caso de Arnaldo Matos (dito o “Grande Educador da Classe Operária”) e de dirigentes como António Garcia Pereira, com grande visibilidade mediática, permitiu-lhes um certo destaque nos meios de comunicação, o que, no entanto, nunca chegou a ter expressão eleitoral significativa.
Ali se produziram, contudo, diversos quadros políticos que se vieram a evidenciar, mas já com ideias social-democratas, ou da chamada “esquerda liberal” – o maoismo ficou lá para trás. Figuras como, por exemplo, Ana Gomes, ou Durão Barroso, são frequentemente referidas publicamente como exemplos das que tiveram carreiras que atestam bem os fundamentos teóricos da escola em que se iniciaram.
O ambiente esfusiante pós-revolucionário levou a que surgissem numerosos partidos em faixas habitualmente classificadas como maoistas e trotskistas, até a nossa jovem democracia começar a consolidar-se com os resultados eleitorais para a Assembleia Constituinte, em 1975, e para a Legislativa, no ano seguinte: a AOC-Aliança Operária Camponesa; a FDU-Frente Democrática Unida; a FEC-ML, Frente Eleitoral de Comunistas (Marxistas-Leninistas); a FSP-Frente Socialista Popular; a OCMLP-Organização Comunista Marxista-Leninista Portuguesa; o PCP-ML, Partido Comunista de Portugal (também Marxista-Leninista); o PRT-Partido Revolucionário dos Trabalhadores, cuja corrente trotskista acabaria por se fundir com a da Liga Comunista Internacionalista, dando origem ao PSR-Partido Socialista Revolucionário, o qual, em 1999, com a UDP-União Democrática Popular (primeira organização da extrema esquerda a conseguir ter um deputado eleito), viriam a integrar o atual Bloco de Esquerda; o PUP-Partido de Unidade Popular… enfim, parece-me que elenquei os principais… e todos eles se foram transformando em desistências.
Algumas dissidências semelhantes a estas também ocorreram na área do Partido Socialista, que, sob a égide de Mário Soares, se tinha constituído em 1973: um lutador como Manuel Serra, líder civil da tentativa do chamado Golpe de Beja, que, em 1961, procurou derrubar o regime salazarista, criou a Frente Socialista Popular, em 1975, e outro, como António Lopes Cardoso, também participante no Golpe de Beja, veio a dar origem, em 1978, à UEDS-União da Esquerda para a Democrática Socialista. Foram exemplos de projetos abandonados alguns anos mais tarde.
Até o então PPD, atual Partido Social Democrata, veio a ter, em 1980, importantes dirigentes a divergir da sua orientação, para formarem a chamada ASDI–Aliança Social Democrata Independente.
A diversos ensaios partidários atrás enumerados não se aplicaria a afirmação de só ter prevalecido quem gritasse mais alto “para dizer umas verdades”: muitos dos seus mentores tinham consistência ideológica e formação doutrinária. No texto anterior foquei mais o oportunismo dos relativos sucessos eleitorais recentes de organizações como a IL-Iniciativa Liberal, que apesar de tudo, se colocou longe do tal estilo populista (e mesmo racista) do tipo “quem gritar mais alto é que ganha” do partido CHEGA, cuja atuação mal se compreende, mesmo nos limites da tolerância da legislação constitucional vigente.
É natural que, hoje, quase tudo o que aqui acabei de escrever, além de alguns pormenores que naturalmente me terão escapado, pareça uma mescla confusa. O fervor pós-revolucionário, no entanto, dava energia para tudo – e tudo valeu para celebrar as liberdades trazidas em abril de 1974 – o período revolucionário que se seguiu ao Movimento da Forças Armadas durou, afinal, perto de dois anos!