Estas “espécies” não são as animais, vegetais ou minerais pertencentes ao estudo das Ciências da Natureza. São exclusivas da ilha de São Jorge, nos Açores, fazendo parte da sua doçaria tradicional. Têm sabor e formato exóticos, cujas origens se perderam desde o tempo do povoamento da ilha.

Na sua confecção, são utilizadas especiarias, nomeadamente a erva-doce (anis), a canela e a pimenta, casca de limão, açúcar, manteiga e pão torrado e moído. O açúcar é derretido e fervido em água, ao qual se juntam os outros ingredientes, até formar um recheio moldável, de cor castanha. Depois de arrefecido, são feitos rolinhos, os quais são embrulhados em massa tenra finamente estendida (as chamadas “peles”), tipicamente em forma de rosquilha, recortada com uma carretilha e na qual se aplicam golpes na face superior, de onde sobressai o recheio. As espécies são cozidas em forno médio, ficando com a massa exterior estaladiça e o seu interior macio e perfumado.
Segundo algumas referências acerca do nome do doce, “espécie” (singular) ou “espécies” (plural) deriva das especiarias utilizadas a sua confecção. No entanto, outra designação comum, sobretudo por pessoas mais antigas, é a de “bichos doces”, devido ao seu formato lembrando uma lagarta bicolor. Às vezes, elas podem assumir a forma mais evidente de uma lagarta, ou então de um coração ou de uma ferradura. Em algumas freguesias, as espécies tomam o formato de variados “bichos”, nomeadamente a pomba branca, que é o símbolo do Espírito Santo, muito enraizado na religiosidade das ilhas açorianas. Neste caso, os “bichos”, depois de cozidos no forno, são cobertos de branco, com a mesma calda de açúcar das chamadas rosquilhas brancas (ou doce branco), outro exemplo da doçaria exclusiva da ilha jorgense.
Há quem considere uma invenção local, cuja receita foi transmitida oralmente, de geração em geração, tendo partido de ingredientes acessíveis, não só do pão e da manteiga, mas, sobretudo, do açúcar e das especiarias que as naus das Índias deixavam nos portos da ilha, enquanto se abasteciam da carne e do queijo ali produzidos.
Contudo, a tese predominante é a de que terão sido os povoadores da ilha a trazer a receita. Embora possa ter sido adaptada aos ingredientes disponíveis localmente, esta hipótese parece-nos ser mais credível, devido à sua elaboração e a semelhanças com o que nos foi dado observar em outros locais.
Uma das origens mencionada na literatura sobre as espécies de São Jorge é a Flandres. A corroborar esta tese está o povoamento da ilha por flamengos, os mesmos que trouxeram a receita do famoso queijo da Ilha.
Como se sabe, as ilhas açorianas foram povoadas essencialmente por portugueses, das várias partes do Reino, a partir do século XV. No entanto, devido a ligações entre famílias reais europeias, as ilhas do Faial e do Pico foram doadas, em 1466, ao flamengo Josse Van Huetere, que trouxe muitos flamengos na sua companhia, entre os quais se destacou Wilheim Van der Haagem (Guilherme da Silveira), que, por desentendimentos com aquele, se passou para as Flores e desta para a Terceira e S. Jorge, promovendo, desse modo, os primeiros trabalhos de povoamento das ilhas das Flores e de S. Jorge. A ilha Terceira já teria iniciado o seu povoamento, em 1460, também sob a direção de um flamengo, Jácome de Bruges, embora este tenha trazido sobretudo famílias portuguesas.
A favor da origem flamenga, os mestres da pintura antiga desta região dão-nos a melhor pista. As “naturezas mortas” mostram mesas de abundância, onde são expostas maravilhas do açúcar tão apreciado na época, entre as quais alguns dos doces têm o aspeto das nossas espécies. Osias Beert (1560?-1623/4) é um dos pintores que as representa, como mostra a sua “natureza morta com ostras”, abaixo reproduzida. Não sabemos se a semelhança é apenas na forma ou também nos ingredientes utilizados e não encontramos evidências de continuar a ser fabricado nos dias de hoje, na região da antiga Flandres. É curiosa a forma de coração, que também é usada em São Jorge, bem como a forma de “bicho” com uma boca aberta.

Mas, a verdadeira surpresa foi encontrada em Malta, a ilha mediterrânica cuja gastronomia é considerada próxima do sul de Itália, sobretudo da Sicília. São os impronunciáveis Gagħaq ta’ l-għasel (honey rings, em inglês) típicos do Natal, mas que passaram a existir durante todo ano, devido ao turismo.

O anel de mel maltês apresenta receitas com ligeiras variações, de resto, como acontece com a espécie de São Jorge, em que algumas pessoas incluem ou não a pimenta, a noz moscada e usam diferentes proporções das restantes especiarias, bem como a inclusão de ovos ou não na massa tenra. Quanto às diferenças entre o doce jorgense e o maltês, a mais evidente está no tipo de farinha utilizada no recheio (na espécie, é a tosta ralada; no anel de mel, é a sêmola). O doce maltês pode incluir amêndoas ou avelãs raladas e parte do açúcar pode ser substituído por melaço ou ainda por um pouco de marmelada. Ambos usam o mesmo tipo de especiarias, bem como a casca de citrinos e o modo de confecção é semelhante.
A verdade é que não sabemos se foram os flamengos ou outros povos mediterrânicos, incluindo os portugueses, a introduzir a receita das espécies na ilha de São Jorge. O certo é que o isolamento da ilha, dentro do já de si ultra periférico arquipélago açoriano, cristalizou e conservou ao longo do tempo este exemplo único da doçaria antiga, tal como acontece com outras tradições ou culturas e até com a própria língua. No seu lugar de origem, elas evoluíram, ficaram irreconhecíveis ou desapareceram. Malta, também uma ilha, talvez tenha conseguido conservar a tradição dos seus anéis de mel, que se terá perdido em outros lugares continentais, tal como a ilha de São Jorge conservou as suas singulares espécies.