Primeiras ligações aéreas na “África portuguesa”

Quadrimotor a hélice DeHavilland DH-114 dos Transportes Aéreos da Guiné, enquanto colónia do Estado Novo

Mencionei em texto anterior o relativo pioneirismo da DETA, seguido do da DTA, no estabelecimento de ligações aéreas, para complementar as ferroviárias, nas grandes colónias portuguesas de Moçambique, em 1936, e Angola, dois anos mais tarde. Tratava-se, então, de negócios prometedores, dada a dimensão daqueles territórios, para além do desenvolvimento que previsivelmente acelerariam.

Já as ligações aéreas desencadeadas, ou estimuladas, por Lisboa em regiões como a Guiné, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe e, mais ainda, nos territórios mais longínquos da Índia, de Macau e de Timor se afiguravam determinações de algum modo visionárias, com fundamento político, na prossecução da saga dos descobrimentos marítimos dos séculos anteriores. Dos entrepostos comerciais e do tráfico de escravos, da época pombalina, até às reticências descolonizadoras do século XX.

Os STA, Serviços de Transporte Aéreo, em São Tomé e Príncipe, foram criados em 1949, tendo operado, enquanto serviço colonial, desde 1955 e até 1971. Os TACV, com um Dove DH-104, ligaram, a partir de 1958, as ilhas de Cabo Verde, com exceção de Brava. A fundação dos TAGP, Transportes Aéreos da Guiné Portuguesa, ocorreria em 1960, começando, pouco depois, a respetiva operação, a partir de Bissau e até para fora da Guiné, designadamente para Cabo Verde – aeródromos do Sal e da Praia, bem como para Dakar. Começaram por ser utilizados um DeHavilland-Hero e dois Dragon Rapide a que, sete anos depois, se juntaram três Dornier Do 27s, um Cessna 172 e um 206, além de um Auster. Utilizavam também um turbo-hélice Avro HS-748 quando foi mudada a designação, após a descolonização, para Linhas Aéreas da Guiné-Bissau.

 A meu ver, justifica-se uma reflexão de conjunto sobre esta breve referência à decisão de fazer chegar transportes aéreos às pequenas colónias portuguesas de então na costa africana e na Ásia. Estamos a falar sobretudo de uma época colonial posterior à Grande Guerra de 1914-18. Se era relativamente expectável que, em territórios como Angola ou Moçambique, se evoluísse das ligações portuárias e ferroviárias para a aviação, já os casos das economias com menor potencial de riqueza, ou a uma grande distância da pátria colonizadora, implicavam uma orientação do poder central para avançarem os investimentos indispensáveis em equipamentos e em instalações aeroportuárias e de navegação aérea. Tal determinação, suportada naturalmente por projetos políticos, sempre teria de ter cobertura da autoridade que dominava o país e aí contava prevalecer por muito tempo – tratava-se da ditadura do Estado Novo, instalada em 1926 e consolidada em 1933. Decorreram as décadas de 1940, 1950 e 1960 e o regime mantinha-se sólido, só viria a ser abalado em 1968, com a queda da cadeira do ditador, e desfeito pela revolução de Abril de 1974. António Salazar, sem pretender aderir a qualquer processo de descolonização, lá teria, contudo, alguma ideia modernizadora. Se, pateticamente, se refugiava na classificação, como províncias ultramarinas, do que eram ainda as colónias portuguesas, foi aprovando, por outro lado, alguns investimentos, desde logo nos respetivos sistemas de transportes. Tratava-se de uma tentativa de integração na política internacional: não seria só a Inglaterra a deter um império onde o sol nunca se punha – Portugal, depois da Espanha e par da França e da Holanda, esteve no grupo das mais empenhadas potências colonizadoras do “já civilizado” século XX, sobretudo em África e na Ásia. Em África, para além do potencial crescimento e previsível desenvolvimento de Angola e Moçambique, a rede implantada nas “províncias ultramarinas” de Guiné, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, contribuía para alimentar a ilusão de grandeza. A propaganda de “um só país, do Minho a Timor”, procurava traduzir-se em conteúdo real, promovendo alguma integração social, e cultural, linguística e religiosa “inter-racial”, para além de tirar partido do potencial económico. Regiões de grande dispersão geográfica, como Cabo Verde, ou baixa densidade populacional, como São Tomé e Príncipe, implicavam certas perspetivas sociais, a par das de retorno económico, o que era particularmente notório ao serem organizadas as redes de transportes, fossem estes ainda marítimos, ou já aéreos.

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Publicado por José Adriano Avila

Quadro da aviação comercial aposentado. Formado em Comunicação Social. Estuda Relações Internacionais.

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