Vista Aérea

Sobre diversos domínios e com olhares diversos

Nos 20 anos de internacionalização da SATA*

Artigo publicado no Correio dos Açores de 17-11-2015 por

Luís Filipe Silveira

Em 17 de Novembro de 1995, a SATA iniciou a operação de voos não regulares internacionais, no espaço europeu, com o primeiro de uma série de voos charter entre Viena e o Funchal, marcando o princípio da internacionalização da empresa (1).

A conjuntura era favorável: o desaparecimento das companhias charter portugueses (Air Atlantis e Air Columbus) permitia beneficiar do vazio existente e a liberalização facilitava o acesso aos mercados. No entanto, significava dar um grande salto, para além da zona de conforto em que a empresa operava, enfrentando novos e maiores riscos, num mercado muito concorrencial.

Desde logo, era necessário licenciar a SATA Air Açores não só para operar com um equipamento a jacto (2) – Boeing 737-300 – mas, também, para actuar numa nova área geográfica, ultrapassando os limites dos Açores e de Portugal. Tratou-se de um processo complexo perante a Autoridade Aeronáutica, em que a empresa teve de demonstrar que possuía capacidade económica, técnica e operacional adequadas e que culminou com a atribuição da licença.

No aspecto logístico e organizativo, para além de alugar o avião e acompanhar a sua revisão para assegurar a entrega na data e condições previstas, era necessário, para cada aeroporto, obter faixas horárias, contratar os serviços de assistência em terra, catering, combustível, providenciar pelo pagamento de taxas, garantias, etc., bem como assegurar a arrecadação das receitas.

No entanto, antes de mais, houve que avaliar o mercado, fazer o levantamento da procura, bem como dos preços/receitas que seriam expectavelmente obtidas. Apesar do incentivo e apoio recebido dos operadores turísticos nacionais, as suas necessidades eram reduzidas e limitadas sobretudo ao período do Verão. Por isso, a principal fonte de negócio tinha de ser encontrada no exterior, através de fretamentos de séries de voos charter turísticos originados, designadamente, na Áustria, Reino Unido, Dinamarca, França com destino ao Funchal. Esta actividade seria completada pela operação de séries de voos charter entre cidades como Londres, Paris, Luxemburgo e Genebra e Lisboa e/ou Porto e, também, entre estas e o Funchal (3).

O avião teve como bases operacionais o Funchal e Lisboa, origem/destino do tráfego, para onde foi contratado um pequeno número de tripulantes, a que se juntaram alguns tripulantes e técnicos do quadro da empresa nos Açores. No caso de Lisboa, onde era assegurado o Serviço de Manutenção, foi contratado, também, algum pessoal técnico e comercial. O controlo geral permaneceu sempre nos serviços centrais da empresa, em Ponta Delgada.

Suscitou alguma crítica o facto de o avião ser colocado fora dos Açores, mas não havia outra alternativa. Os aviões têm de estar posicionados nos aeroportos de origem ou destino do seu tráfego, sob pena de custos incomportáveis. Não era possível voar regularmente entre os Açores e o Continente, porque a TAP tinha o exclusivo das rotas, e não existia procura nem autorização para operações charter continuadas entre Lisboa e os Açores. Porém, logo no Verão de 1996, foi operada uma série de voos charter turísticos (IT) entre Lisboa e Ponta Delgada, em pareceria com o operador Club 1840/Abreu, que se repetiu nos anos seguintes.

Entretanto, fora contratada a realização de duas frequências semanais entre Lisboa e a Horta por conta da TAP, que mantinha o controlo operacional e comercial da rota, apenas fretava o avião da SATA, contrato que se iniciou em Abril de 1996 e se manteve até 1999.

Então, como agora, nos Açores, tudo o que respeita ao transporte aéreo suscita polémica, que é potenciada em períodos eleitorais (4). Foi o caso deste acordo com a TAP. Alguns sectores da sociedade faialense, a começar pelo Presidente do Município, alegavam que o avião não oferecia o mesmo conforto que o equipamento da TAP e, sobretudo, receavam que aquele acordo fosse o início de um processo de transferência para a SATA dos serviços aéreos naquela rota. Carlos César Presidente do PS/A (ainda na oposição), em declarações à RDP e RTP, em 10 de Abril de 1996, entre outras considerações, afirmava que o acordo resultara de um pedido da SATA e do Governo Regional para salvar o péssimo negócio e o erro gravíssimo de gestão que tinha sido a aquisição do avião, negócio que dava enorme prejuízo, e que estaria a ser objecto de queixas nas instâncias comunitárias, em virtude de a SATA ser uma companhia subsidiada a concorrer no espaço comunitário. Também Sérgio Ávila, então Deputado do PS/A na Assembleia da Republica, no Açoriano Oriental de 16 de Abril de 1996, repetia tais críticas à SATA e a esta iniciativa que visava a expansão da empresa (5).

A verdade é que a nova actividade correu bem, resultando num aumento de 58% no volume de negócios da empresa em 1996, tal como referido pelo Secretário Regional da Economia, Duarte Ponte, no discurso de posse do novo Conselho de Administração, em 1 de Julho de 1997, onde recomendou a aquisição de um segundo avião (6), o que se concretizaria em Março de 1998.

Infelizmente, as empresas públicas foram e continuam a ser campo fértil para confrontação política entre Oposição e Governo, cuja continuidade é assegurada em função da alternância no poder, com inversão dos papéis, mas, frequentemente, com idênticos argumentos.

Mas o propósito deste escrito é lembrar a data e homenagear aqueles, e muitos foram, cuja dedicação permitiu a “descolagem” e continuação do projecto. Apesar de, ao tempo, a SATA ser uma empresa pequena e isolada já dispunha de colaboradores com vasta formação técnica e experiencia profissional que foram essenciais ao sucesso do empreendimento, contrariamente ao que aconteceu com idênticas experiências contemporâneas no país.

Luís Filipe Silveira

(Reformado)

* O presente texto é da responsabilidade pessoal do signatário, baseado na sua vivência do processo.

(1) É certo que a SATA já explorava os voos charter provenientes dos Estados Unidos da América e Canadá, mas tratava-se apenas de desenvolver a actividade de operador turístico através das suas subsidiárias – Azores Express nos EUA e SATA EXPRESS no Canadá – que fretavam aviões a companhias daqueles países para a realização dos programas de voos que comercializavam. Pelo contrário, agora a empresa passava a operar com o seu próprio equipamento, vendendo serviços de transporte aéreo (voos charter) a operadores turísticos em mercados externos, de onde provinha uma parte importante das suas receitas.

(2) SATA já tinha operado uma aeronave a jacto, um BAe 146-100 durante alguns meses no Verão de 1987, mas tratou-se de uma operação limitada às ligações dentro dos Açores, exceptuando um voo extraordinário à Madeira e Canárias.

(3) A frequência de voos regulares era menor do que actualmente, pelo que, em épocas de maior procura, era frequente os operadores turísticos disponibilizarem voos charter.

(4) Estávamos, então, no período pré-eleitoral que conduziria à vitória do PS na eleições regionais de Outubro de 1996.

(5) Sobre o assunto, pode ainda ver-se, entre outros, no Açoriano Oriental, de 12/04/1996, o editorial de Gustavo Moura, “Transportes, Mitos e Realidades”, bem como um esclarecimento da SATA; no Açoriano Oriental, de 16/04/1996, o esclarecimento de Carlos César; no Açoriano Oriental, de 17/04/1996 o artigo de Jerónimo Cabral, “ O Senão do Discurso Fácil”, e, no Açoriano Oriental, de 28/04/1996, o artigo de Liberal Correia, “Sérgio ou o Recado de Lisboa”.

(6) Jornais Açoriano Oriental e Diário Insular, de 2 de Julho de 1997.

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