Vista Aérea

Sobre diversos domínios e com olhares diversos

Diligências sobre a utilização dos Açores por franceses

Somos há muito um país com pouca produção. Salários baixos, muitos impostos, é natural que estejamos sempre a precisar de subsídios ou a pensar na emigração.

Imagem do hidroavião CAMS tripulado por Henry Nomy na Lagoa das Furnas, 1935 (Col. José Toste Rego)

Já referi aqui o poder aeronáutico francês nos primeiros tempos de desenvolvimento da aviação, a partir da Grande Guerra de 1914-18. Quando em Portugal surgiu a primeira companhia de aviação – SAP, Serviços Aéreos Portugueses – em 1927, não foi por acaso que os seus voos se realizaram só até Madrid, Sevilha e Casablanca: as ligações para a Europa só poderiam ir para além dos Pirenéus se houvesse acordo de França. Ora, veio a verificar-se, nas décadas de 1920 e 1930 um empenho de capitais franceses na criação da SPELA, Sociedade Portuguesa para a Exploração de Ligações Aéreas, a concorrer com os SAP, para conquistar a concessão do monopólio das linhas aéreas portuguesas, designadamente as viagens transatlânticas – e nestas, desde logo as ligações entre o continente e os Açores. Como se sabe, o lobby francês impôs-se efetivamente, mas a SPELA acabou por não cumprir as condições e as ligações às ilhas ficaram adiadas, acabando por virem a ser os hidroaviões Clippers da Pan American a efetuar os primeiros voos, a partir de 1939, da baía da Horta, vindos dos Estados Unidos, até Lisboa. Recuando o olhar para a década de 1920, não se pode deixar de estranhar que os então poderosos franceses tenham falhado o objetivo de serem os pioneiros nas ligações transatlânticas com escala nos Açores, com recurso aos seus avançados hidros. É que, na altura, as ligações entre Paris e New York afiguravam-se simbólicas para aferir do sucesso da navegação aérea transatlântica.

Compreende-se, assim, naturalmente, o acompanhamento detalhado pela imprensa açoriana e especialmente pelo Correio dos Açores, das ações desenvolvidas pelos franceses para estudar, na década de 1930, a viabilidade de explorar as travessias aéreas do Atlântico Norte. Numa das missões francesas nestas ilhas, em 1935, a que não era encomendada pelo Estado Francês, o seu responsável, Louis Castex deslocou-se também à Terceira e a Santa Maria e, no ano seguinte, voltou, desta vez acompanhado do aviador Paul Codos, e completou o roteiro do Arquipélago. Procuram aquilo que é bem difícil de encontrar. Um plan d’eau sereno para cada quadrante de tempo. Estou convencido, porém que, não encontrando para todos os quadrantes, acabarão por se conformar ligando-se ao porto que lhe ofereça mais facilidades e mais largueza: Ponta Delgada. Se tivéssemos aqui um abrigo para casos de emergência, talvez que as suas vistas se voltassem para a Terceira, que na realidade bem merecia ter qualquer coisa que a desviasse por uma vez dos touros e das cracas, dissertou então José Agostinho que, no artigo publicado em A UNIÃO de 17 de dezembro de 1953, sintetizou assim a informação acima citada, no referente à Terceira: – Em dezembro de 1935 veio por aqui o aviador Nomy, num hidro, de Ponta Delgada, e pouco depois o comandante Louis Castex, cuja ação mais tarde, no estudo do campo das Lajes, havia de ficar memorável. (…) Desde a sua primeira viagem à Terceira, o comandante Castex não abandonara mais a ideia de promover a construção do campo das Lajes. Em 1936, acompanhado pelo grande piloto Codos, que, em 1933, juntamente com Rossi, batera o recorde da distância, voando de Nova York a Kayak, na Síria, (5.675 milhas sem escala) e juntamente com o engenheiro português Inácio da Silva, especializado na construção de pistas de aterragem, Louis Castex percorreu todo o arquipélago. Foi visitada a ilha de Santa Maria, aquela extensa planura onde hoje está o aeroporto, que oferecia condições tentadoras. Por fim fixaram-se os três na Terceira e procederam, conforme as instruções que tinham, ao estudo do futuro aeródromo das Lajes, cujo plano foi inicialmente elaborado pelo engenheiro Inácio da Silva e veio depois a ser executado, segundo os moldes por ele indicados.

Um artigo do diário parisiense Excelsior, que dá como certa a obtenção de um acordo que volta a colocar a aviação francesa na frente das negociações com Portugal, apesar do fiasco que tinha sido o negócio relacionado com a atribuição do exclusivo das ligações internas portuguesas à empresa SPELA, dominada pela Aéropostale. Mesmo assim, entre a obtenção de um entendimento e a sua concretização, ia uma certa distância. Salazar controlava tudo e fazia “orelhas moucas” aos apelos franceses, tendo que os conjugar com idênticas pretensões alemãs e anglo-americanas. Neste caso concreto, o pretexto para “enterrar” o projeto francês de ter escala nos Açores, ignorando a sua pretensão de construir um aeroporto nas Lajes, foi o resultado das eleições francesas desse ano de 1936, que se traduziu na formação de um governo de Front Populaire. Assim se compreende que a aplicação prática do “acordo” luso-francês para a utilização dos Açores como escala para as ligações transatlânticas, ou seja, a anuência formal das autoridades portuguesas, só tenha ocorrido dois anos depois: tanto o consentimento de Salazar, que tutelava diretamente o Conselho Nacional do Ar, para a deslocação da missão francesa, como a posterior autorização para a Air France escalar os Açores nos seus voos transatlânticos, foi muito lenta, provocando enorme bruit na imprensa francesa.

Em 1949, o entusiasmo francês na utilização de Santa Maria como ponto de escala dos voos transatlânticos sofreu um rude golpe: a tragédia do voo 009 da Air France, com o avião Lockheed Constellation com 48 pessoas, ao embater no Pico Redondo, S. Miguel.

Hidroavião Breguet 521 Bizerte em Ponta Delgada em maio de 1938 (Col. José Toste Rego)

Somos há muito um país com pouca produção. Salários baixos, muitos impostos, é natural que estejamos sempre a precisar de subsídios, ou a pensar na emigração. Não é estranho assim que o próprio ditador estivesse atento. O mesmo aconteceria quando, no decorrer da II Guerra Mundial surgiu o interesse dos Estados Unidos em movimentar forças para os Açores: Salazar tratou de saber qual a posição de Inglaterra, a velha aliada sobre o assunto, que só avançou depois dos sinais ingleses de não-oposição.E, no acordo com a França para a utilização das Flores para a realização de testes balísticos, esteve também presente um interesse português: obter rapidamente o fornecimento de armas pela parte francesa para utilização na guerra colonial portuguesa.

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