Vista Aérea

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Acerto de contas na aviação

No texto da passada semana, ao estranhar que a tutela política da SATA procure exibir um protagonismo deslocado sobre a transformação da transportadora aérea açoriana numa holding, mencionei a dificuldade que será quantificar os custos com os acordos sindicais.

Na verdade, como aliás também escrevi, o problema vem da TAP: ali, vem-se verificando, já há algum tempo, uma medição de forças entre a Administração e os sindicatos, especialmente nos casos dos pilotos e dos tripulantes de cabina, focada na hipotética reposição das condições remuneratórias anteriores à pandemia COVID-19.

A grande redução da atividade em 2020, que levou à diminuição do número de aviões, provocou um verdadeiro susto nas tripulações – e também no pessoal de terra, claro – confrontadas com a hipótese muito provável de ter de haver redução de postos de trabalho, a começar pelos dos profissionais com contrato a termo.

Numa atitude solidária que só pode merecer respeito, os respetivos sindicatos dispuseram-se a aceitar uma redução significativa das retribuições, sob a condição não haver despedimentos e de se tratar de uma cedência temporária, para virem a ser retomados os valores suspensos, logo que a situação melhorasse.

Ora, aconteceu que foram, na mesma, dispensados diversos tripulantes contratados e, agora, afigura-se evidente a intenção dos responsáveis pela gestão de manter o mais possível da redução salarial, ou compensar a respetiva reposição com aumentos de produtividade, mediante flexibilização das regras de prestação de trabalho.

Dir-se-á que as movimentações sindicais das últimas décadas do século passado haviam provocado aumentos nos custos com pessoal até níveis demasiado elevados, tendo em conta a permanente fragilidade das finanças da aviação portuguesa.

Admitamos que tal argumento é real, mesmo sabendo-se que se tratou de processos de negociação coletiva em que as cedências da parte patronal foram provocadas mais pela inabilidade, ou menor empenho, da gestão e pelas constantes intromissões da tutela política nos processos negociais.

Embora os sindicatos invoquem tabelas salariais relativamente modestas para os seus sócios em início de carreira, sabe-se que a progressão na dita carreira é muito rápida e que as chamadas remunerações variáveis, auferidas aquando da prestação efetiva dos serviços de voo, fazem aumentar extraordinariamente os custos efetivos.

Certo é que se entra numa discussão de surdos: os números apresentados para traduzir o peso relativo das despesas com pessoal nos custos totais da atividade variam imenso, conforme a perspetiva de cada parte, tornando-se remota a possibilidade de ser atingido um ponto de acordo que implique uma redução efetiva dos custos com o pessoal de voo, ou um acréscimo significativo dos respetivos níveis de produtividade.

O pessoal de terra, não só tem custos proporcionalmente mais baixos, como já viu a sua capacidade reivindicativa substancialmente reduzida durante o tempo em que a atividade de assistência (handling), foi autonomizada e adquirida por capitais privados – e, mesmo depois de o negócio voltar ao universo da TAP, manteve-se irreversível a perda do seu poder de negociação. Reformulando a ideia que procurei resumir no texto anterior: era na unidade do negócio TAP que jazia a sua força.

Na SATA, as penalizações para os trabalhadores, justificadas com os efeitos da pandemia, foram bem mais suaves do que os 25 a 50% de reduções aplicados na transportadora nacional. Contudo, o compromisso de vender o controlo da maior parte da atividade da Azores Airlines/SATA Internacional dificilmente passará ao lado deste problema: por um lado o financiamento permitido pela Comissão Europeia implica o cumprimento de metas de produtividade; por outro, os membros da atual equipa de gestão até conhecem muito de perto os (maus) exemplos da TAP.

Se as negociações dos orçamentos, do Estado e da Região Autónoma, para 2023 tiveram como bandeira o acerto das contas públicas, naturalmente os programas de reestruturação, na SATA como na TAP, pretenderão reequilibrar o peso das contas de pessoal nos custos gerais de cada empresa. Para mais, sabendo-se que que há o objetivo comum de privatizar, vender, (grande) parte do negócio de transporte aéreo de ambas.

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